Marcela
Ferro
Teoricamente deveria ser uma descrição formal e séria, mas se eu quisesse ser formal e séria estaria num consultório médico atendendo e não com uma taça de vinho, da Holanda (update: agora de Portugal) escrevendo para uma espécie de blog pessoal — isso ainda existe?
Quando na vida pensei que teria um "quem sou eu" pra escrever? Nunca! Quantas vezes vi cenas em filmes de mulheres com uma taça de vinho digitando loucamente e pensei que aquilo parecia um vidão? Definitivamente viveria aquela vida! Pegue aí seu comfort drink e vamos para um dedo de prosa aleatório.
Gosto de saber de tudo um pouco, transitar em diferentes assuntos e absorver todo tipo de conhecimento. Da leitura desde muito nova, sinto como se já tivesse observado diferentes universos e várias perspectivas, me despertando a vontade de viver muitas e diferentes vidas.
Teimosa e obcecada com o que coloco na cabeça, pode-se dizer que tenho vivido alguns multiversos: no auge dos meus 31 anos temos uma faculdade de Medicina e especialidade em Cirurgia Geral concluídos no Brasil, o diploma médico reconhecido em Portugal, morei na Holanda por pouco mais de dois anos, me mudei para Portugal onde curso um Mestrado em Cuidados Paliativos e trabalho como médica — a cada update do texto me pego pensando “que jornada caótica!” e me encanta todas as possibilidades profissionais que a vida pode oferecer.
Mas nem sempre foi assim. Na maior parte da vida a única prioridade da minha vida foi a próxima etapa, não importa em qual fase estivesse. Era como se a tal felicidade estivesse na próxima linha de chegada e isso era sufocante. Precisei tombar num processo depressivo para ser obrigada a cavar o fundo do poço em busca das respostas para voltar à superfície.
E assim me tornei mais uma na estatística do “só se cresce no desconforto”. Finalmente amadureci tantos conceitos frutos de uma adolescência tardia (o drama dos Millenials) e com isso abri a cabeça para as possibilidades — e suas responsabilidades, como já dizia o Tio do Homem Aranha.
Sempre quis ver o mundo, felizmente, a oportunidade veio após esse crescimento interno. Em outros tempos eu talvez adiasse mais anos de vida em busca da próxima etapa. Motivada pelo amor mais visceral que já havia sentido, de imediato disse "sim" e estava disposta ao perrengue fosse necessário para fazer acontecer. Não me mudei de país para ser médica. Mudei para mudar de vida e encaixei a profissão nisso.
E, man, como mudou! Era inevitável me entregar a tudo o que a vida de imigrante numa cultura completamente diferente (e apaixonante, como é a da Holandinha) proporcionava. Vivi intensamente, conheci a melhor versão da Marcela e, nesse meio tempo, passei a compartilhar minhas experiências no Instagram. Sobre mudar de país, voltar a estudar medicina geral para a prova, o processo de equivalência do meu diploma, os anseios que envolvem todo esse processo.
Compartilhando as angústias da decisão e as delícias dessa nova realidade, me vi feliz fazendo algo que muito me realizava: experimentando uma vida completamente diferente, aprendendo com o percurso, correndo atrás de entender como fica minha profissão no meio disso e plantando o bichinho da coragem na cabeça de quem só precisava de um empurrão. Considerando uma vida toda colocando o sucesso profissional como a prioridade da vida, digo que é interessante observar como atualmente vivo uma super incerteza após uma grande loucura e me sinto realizada como nunca me senti dentro do caminho da manada.
Vivo com a cabeça a mil tentando equilibrar os pés no chão com a ânsia de provar de tudo um pouco — é o problema de ter o pé no chão de uma taurina com a lua em peixes. Falo como se tivesse a propriedade de quem entende de astrologia, mas a “culpa” é minha e eu terceirizo como for conveniente.
E aí que a escrita me salva: um lugar onde minhas reflexões não desaparecem em 24h, onde consigo compartimentar o turbilhão de desejos e conquistas da minha cabeça. Nesse espaço espero compartilhar os aprendizados dos períodos de baixa e as maravilhas dos períodos de ápice.
Aos que compartilham das mesmas angústias, você não está sozinho. Talvez a gente não precise querer uma profissão só, uma vida só. Nunca me encaixei na carreira médica tradicional, apesar de ter tentado muito e por muito tempo. A maior loucura que já cometi na minha vida foi, também, a decisão que mais me trouxe a sensação de "caminho certo" até hoje: largar a carreira no Brasil, me mudar para a Europa e validar meu diploma para fazer sabe-se-lá-o-que.
E, no fim, todo esse processo veio com um crescimento surreal. Que venha todo o resto!